quinta-feira, 25 de março de 2010

Imigração e Sangue no Olho

A vida de imigrante não é lá muito fácil.
Primeiro tem os muitos desafios que naturalmente se impõe para quem ousa enfrentar o desconhecido em terras distantes e abrir o seu próprio caminho sem poder contar com um 'mapa de bordo' ou um 'manual passo-a-passo' como normalmente acontece quando a gente está no nosso próprio país, em meio à nossa própria gente. Quando você cresce em um país e estabelece suas primeiras raízes em meio a uma certa cultura, você automaticamente adquire os hábitos e aprende o 'jeitinho' de ser próprio do lugar. As coisas que você vê e a maioria dos problemas que tem que enfrentar são comuns a todos aqueles que estão à sua volta e muito provavelmente foram os mesmos que os seus pais enfrentaram e puderam assim ensinar a você como enfrentá-los e resolvê-los.
Aí quando você muda para uma outra cultura, com língua, etinicidade, história, costumes etc. completamente diferente de tudo o que você aprendeu e apreendeu durante sua vida, você fica irremediavelmente sem chão. A sensação que se tem é a de que se está aprendendo a cada segundo. Tudo é novo. Tudo é objeto de observação, consideração e análise. É como se você estivesse em uma sala de aula 24 horas por dia. Ou, melhor colocando, em um laboratório experimental, onde tudo que acontece deve ser calculado, pesado, anotado e verificado duas vezes. Dá prá imaginar a quantidade de estresse que o imigrante sente estando numa situação como a que eu descrevi. Tem estudos descrevendo o que eles chamam de 'estresse de imigrante'. É uma condição que vem sendo estudada e tem levado os países que são abertos à imigração (como o Canadá) a tomarem medidas para tentar minimizar o impacto dessa situação de estresse entre os imigrantes. Os estudiosos classificam a imigração como uma das situações de maior estresse na vida de uma pessoa, comparável à morte de um ente próximo ou divórcio.
Só prá citar um exemplo, de um dos aspectos dessa situação que eu senti na pele quando comecei a trabalhar aqui no Canadá. Quando se começa em um novo emprego, em qualquer lugar, mesmo no seu país de origem, é natural que se tenha um certo nível de estresse e por um tempo a gente fica meio com os nervos à flor da pele, tentando aprender o máximo sobre o novo trabalho, o novo ambiente, os novos colegas, o novo chefe etc. Pois bem, adicione a isso o fato de que você não está falando na sua própria língua, o que faz com que você tenha que ficar de orelhas ligadas como um radar para TUDO o que se fala ao seu redor. Imagina então uma reunião feita em tele-conferência com pessoas de diferentes partes do mundo, como China, Índia, EUA etc. todas falando ao mesmo tempo (alguns com sotaques PESADÍSSIMOS) através de um telefone em viva-voz (o que, mesmo se fosse em português já seria difícil prá se entender) e você tendo que pescar tudo o que está sendo dito e ainda estar pronto prá dar sua opinião quando alguém vira prá você inesperadamente e pergunta "OK Mencio, what do you think we should do in this case???"... Ou então quando você está na Cafeteria (onde você em condições normais estaria relaxando e tentando pensar em qualquer coisa, menos trabalho) e os seus colegas, que estão entusiasmados pelo fato de você ser de outro país - ainda mais do Brasil, que eles adoram! - e perguntam prá você um monte de coisas, falam todos ao mesmo tempo, fazem piadas que você teria que pensar umas duas horas prá poder entender o sentido e ainda assim não ia rir nem um pouco porque são piadas baseadas em regionalismos que só têm graça prá alguém que nasceu e viveu a vida toda por aqui...
Pois é... durante os primeiros dias (eu diria por uns três meses) no meu primeiro trabalho aqui eu chegava em casa tão cansado que parecia que tinha quebrado pedra por 12 horas seguidas. E na verdade eu entrava no trabalho às 9:00 da manhã e saía as 4:00 da tarde. Mas o estresse de ter que aprender tantas coisas diferentes era tão grande que eu só conseguia ir prá cama direto e tentar ficar sem pensar em nada!
Felizmente essa fase passou. Depois de algum tempo eu comecei a ter dificuldade de determinar mentalmente que língua as pessoas estavam falando comigo. Interessante, né? Como no trabalho eu ficava muito tempo só falando, ouvindo, lendo e escrevendo inglês, eu comeei a ouvir e a entender as pessoas como se elas falassem minha língua! O interessante é que só nesse ponto é que eu comecei a deixar de ficar tão cansado mentalmente e passei a relaxar e a me soltar mais. Eu jã não precisava ficar 'em alerta' quando alguém estava falando comigo, seja discutindo algum problema de trabalho ou comentando sobre a vitória do time local de hoquei no gelo.
Outra coisa que me estressou bastante foi o fato de que, quando chegamos, eu era o único que falava inglês. Isso deixou minha família completamente dependente de mim por um bom tempo. Consequentemente eu tinha que acompanhá-los para onde quer que fossem. E quando comecei a trabalhar ficou ainda mais difícil, porque não podia estar com eles todo o tempo. Isso também agravou o estresse geral da casa e tornou a experiência do início da nossa chegada bem mais dolorosa do que seria preciso. Por isso eu recomendo que, quem quer que esteja pensando em emigrar para outro país, trate de fazer toda a família aprender a língua local, pelo menos no nível básico, para evitar esses dissabores.
Hoje quando olho prá trás e lembro dos primeiros dias da gente aqui no Canadá eu vejo o quanto foi difícil. Principalmente prá a minha mulher e os nossos filhos. Por isso digo e repito, emigrar não é prá qualquer um, tem que ter sangue no olho! e muita fé em Deus, prá poder dar conta do recado.
Agora que todos falam inglês (e até castellano, de quebra...) as coisas estão bem mais fáceis. E o fato da gente conhecer mais a cultura e os hábitos locais também facilita muito nossas vidas. Saber como se comportar diante de pessoas de culturas diferentes e (principalmente) saber o que esperar deles em seu comportamente social, ajuda muito a viver por aqui. Um asiático, por exemplo, raramente olhará você nos olhos (com exceção dos chineses de Hong-Kong, que são bastante ocidentalizados). Um indiano, apesar de ser muiiiiiiiito semelhante a um paquistanês, provavelmente vai ficar ofendido se for confundido com um. O melhor, por essas bandas, é nunca perguntar "você é de tal lugar?", e sim "de onde você é, originalmente?". Ou seja, não assuma nada. Mesmo se o cara tiver todas as características de um certo país, pode ser que o país que você pensa que ele é seja na verdade inimigo mortal do país de origem dele... Ah... e é sempre bom você acrescentar o "originalmente", quando for perguntar de onde a pessoa é. Porque se ela tiver cidadania canadense ela se considera como tal. Eu me lembro que conheci um sujeito muito gente boa que foi consertar um servidor na empresa que eu trabalhava. Ele tinha todas as características de ser de algum lugar do Caribe ou da América do Sul. Então resolvi perguntar de onde ele era. Ele me olhou com uma cara não muito boa e perguntou "Como assim?" Eu fiquei meio sem graça porque minha pergunta era bem clara e direta. Então perguntei de novo. Ele disse "Eu sou canadense.... Você quer saber de onde eu sou, originalmente?" Aí eu entendi. O cara é cidadão canadense. Portanto, para ele, ele é daqui. Então ele me disse que "originalmente" era de Barbados. Depois desse dia evito fazer esse tido de pergunta por aqui. Até porque não tem muito a ver perguntar isso para alguém que você mal conhece. Nós brasileiros temos esse jeito camarada de ser, e nos sentimos íntimos depois de conhecermos a pessoa por apenas algumas horas. Por aqui as pessoas são mais reservadas. E evitam falar sobre suas vidas particulares até com quem conhecem a bastante tempo. Mas uma coisa interessante. O canadense MESMO, da gema, criado por aqui, gosta muito de falar da vida DOS OUTROS! É isso mesmo. No trabalho eles se reúnem nos cantos, perto das máquinas de café e ficam falando sobre a vida de um e de outro. É o esporte nacional. Mas da própria vida, ninguém fala... :))
Bom. Acho que posso dizer que hoje somos vencedores aqui no Canadá. Passamos por momentos dificeis. A saudade sempre é muito grande de todos que estão no Brasil. Tivemos que conquistar tudo o que já tinhamos no Brasil, de novo e do zero. E ainda temos muito o que aprender sobre a língua e a cultura local.
Mas uma coisa é certa: depois que a gente passa por todas as dificuldades e provações iniciais é como se a gente nascesse de novo! E tudo o que conquistamos aqui tem um sabor especial, porque nos custou um bocado... Hoje quando ouço a Bárbara falando com as amiguinhas em inglês fluente, ou a Bete resolvendo tudo sozinha, falando em inglês, entendendo tudo e todos depois de ter lutado muito prá conquistar sua liberdade aqui no Canadá, ou a Aline e o Raul tendo seus amigos aqui e aos poucos conquistando seus espaços e firmando suas vidas por aqui, quando ouço um colega contando uma piada 100% canadense e consigo entender (e às vezes até rir de verdade...) eu agradeço muito a Deus por ter nos dado essa oportunidade de vivermos essa aventura aqui nesse país de tanta beleza e tantas oportunidades.
Obrigado Deus, por tudo o que tens feito e tudo o que vais fazer!
PS.: Cada vez estou mais convencido de que aos poucos nós vamos conquistar tudo o que tinhamos no Brasil e ainda mais. Só uma coisa não nos deixa totalmente felizes por aqui, e é algo que a gente tem que aprender a aceitar, embora não seja nada fácil. A distância daqueles que amamos que estão no Brasil. A única solução seria trazer todo mundo prá cá... Aí o Canadá seria muito parecido com o paraíso!

SAUDADES!





2 comentários:

  1. Continue firme, "No Final Tudo dá Certo, se Anida Não Deu é Porque Não Chegou no Final"
    Um abração, do seu irmão Marcos Vidal

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  2. Suas experiencias e de sua familia certamente servirão de exemplo e estimulo a muitos outros... Gloria a Deus pela coragem e animo de voces, claro que tdo embaixo da proteção de Deus.

    Daniele (Brasil)

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